terça-feira, 2 de junho de 2009

Carta a um coração materno machucado.



São Luís,25 de maio de 2009.

Cara e dura progenitora,
Sim, eu sei o que se passa no seu coração materno machucado,
E o que se passa aqui comigo também.
Hoje eu acordei e vi a tristeza nos seus olhos,e eu jamais queria ter lhe causado,mesmo sabendo de sua teimosia em esconder que sou eu o motivo pelo qual rezas inutilmente todas as noites.
Ao ver o que o tempo e a distaância nos causou,
Ao ver as magóas e a dor de decepcionar-se em desatino.
Eis que tenho em mente lembranças vivas de quando você ainda podia carregar meus sonhos e medos em suas mãos.
Era tempo de chuva,e meus pés pequeninos caminhavam ligeiros pra chegar até o pré-escolar.
Você segurava minhas mãos com um carinho maior do mundo e um guarda-chuva de florzinhas pra que eu não me molhasse.
Toda a proteção,todo o amor,até que você se despedia de mim.
Eu lembro de todo o desespero e todo o choro toda vez que você ia,e me deixava ali.
Era meu único conforto,pois ou outro já tinha partido.Minhas mãos eram tçao pequenas mas você sempre as segurava como se tivesse medo que eu pudesse escapar de seu controle, e eu gostava disso porque queria que você me protegesse e me segurasse o tempo todo.
Houve o dia em que você debruçou-se em amarguras velhas e cruéis com seu próprio coração,resolveu ir a um outro lugar,e eu,eu fiquei por aqui.


Lágrimas nos olhos,medo e a vontade de segurar a sua mão.

E o tempo foi passando,até que as lembranças bonitas tornaram-se raras e eu tentando afogar o meu rancor e falta que sentia na euforia de crescer e descobrir...

Asas para voar e o desejo de alçar vôos maiores.

Não havia mais os medos de outrora,porém agora haviam desejos,ímpetos e um olhar distinto sobre tudo...excentricidade a flor da pele,buscando voar cada vez mais alto.
Restava a pureza.Ainda que o que eu havia me tornado não lhe agradaria quando voltasse a me enxergar.
Hoje eu sei que as suas lembranças são as mesmas,
A chuva,as mãos pequeninas,o olhar de criança perdida e um abraço medroso.
E eu sei o quanto lhe dói ter perdido tudo isso.
Seria extremamente mais fácil para você que eu fosse eternamente assim.
Eu sei que as lágrimas que caem do seu rosto pela manhã é por eu ter me tornado tudo aquilo que você não desejava,
Por todos os meus defeitos serem tão evidentes mesmo você tentando esquece-los,e tentando esconde-los de você e dos outros
Pelo cheiro da nicotina,tão forte em mim,irritar suas narinas e o seu coração.
E do álcool que lava a minha alma embriagar-te em raiva e um desejo enorme de voltar atrás.
Por eu sempre ter as palavras mais duras e verdadeiras, ainda que tão pequenas,quando tentas impor suas verdades a mim,
Por ter tido expectativas e por ter tentado fazer de mim um protótipo de você,e eu estar fazendo tudo corretamente o contrário.
Por eu simplesmente não poder anular o que é de essência em mim.
Eu sei que choras porque sabes que eu jamais voltarei a ser a garotinha dos olhos fundos, que brincava sozinha num jardim conversando com as flores,
Choras porque sabes que me deu asas para voar e eu tenho voado pelos campos indesejáveis do extraordinário,do excêntrico e do que foge da falsa moral na qual acreditas cegamente.
Choras porque sabes que o tempo não volta,e o amor singelo pueril ficou para trás.
Todas as manias estranhas,gostos atípicos,desejos impetuosos e os segredos guardados em gavetas que cheiram a incenso,
Tudo isso que te irrita,te magoa,te faz lacrimejar em surtos de raiva e sentimento de impotência por não conseguir mudar aquilo que me tornei,
Por não saber quais foram os erros,quando eu mesma não posso mais jogá-los na parede em porta-retratos quebrados pra que enxergues.
Tenho crescido,voado,aprendido sem as mãos fortes que me seguravam,
Sem os conselhos que eu tanto precisei,e não tive,
Sem as leituras de contos de fadas e suas utopias moralistas enrustidas
Crescendo e me tornando tudo aquilo que realmente desejei e desejo.
Tentando ter em mim autonomia de pensar,ser,querer,viver...
A vontade de realizar cada sonho,
E de entender cada ímpeto.
De olhar além sobre tudo,sobre mim,sobre você.
E continuarei crescendo,
E minhas asas um pouco quebradas continuam desejando voar mais alto.
Eu não posso e não quero te pedir perdão pelo que sou,
Porque sou exatamente aquilo que gostaria de ser,tenho em mim as qualidades que você talvez não consiga enxergar
E mesmo que eu tente faze-la entender,é você que tem de tirar as ataduras dos olhos.
Enquanto isso,posso até enxugar suas lágrimas quando sua raiva passar e continuar pensando só nas lembranças boas,sem rancor,
Pois sei que as mães dizem querer dar asas para os filhos voarem,mas não percebem que o tempo é que voa junto,e que ser uma criança medrosa é apenas uma fase que felizmente tem de passar.

2 comentários:

Paulinha disse...

Que liindo minha Calli-Calli mais liinda do mundo!
foi vc quem escreveu?
beijos e saudades!

Anônimo disse...

Eu chamaria essa postagem de perfeição.
Algo tão verdadeiro que chego até a me identificar com essas palavras.
Fico impressionada com a tua capacidade de se expressar..assim, tão bem!
Te admiro pra caramba. Embora, não te conhecer pessoalmente..
Mas, de longe (que nem é tão longe assim..é mais perto do que vc imagina) consigo..ou melhor, tento acompanhar todos os teus passos (ño sentido figurativo). Porque eu adoro "ouvir" as tuas palavras.
Carinhosamente,Eu.